sexta-feira, fevereiro 15, 2013

A Maldição do Tigre - Capítulo 3 - parte I

O tigre

   As crianças deixaram o circo fazendo tumulto estridente. Um ônibus deu a partida no estacionamento. Enquanto ele despertava ruidosamente, sibilando e soltando fumaça pelo cano de descarga, Matt se levantou e espreguiçou-se:
   - Pronto para o trabalho de verdade?
   Gemi, sentindo os músculos dos braços já doloridos.
   - Claro. Vamos lá.
   Ele começou a limpar a sujeira das cadeiras, que ia empurrando contra a parede. Depois me entregou uma vassoura. 
   - Agora temos que varrer a área toda, guardar tudo nas caixas e então arrumá-las novamente. Você começa enquanto vou entregar o dinheiro ao Sr. Maurizio.
   - Sem problemas.
   Comecei a percorrer o lugar lentamente, empurrando a vassoura à minha frente. Minha mente voltou aos números circenses que vira. Gostara mais dos cães, mas havia algo de irresistível no tigre. Meus pensamentos continuavam voltando ao grande felino.
   Como será ele de perto? E por que cheira a sândalo? Eu não sabia sobre tigres, exeto o que vira tarde da noite nos canais de documentários e lera em exemplares antigos da National Geographic. Eu nunca havia me interessado por tigres, mas, por outro lado, também nunca trabalhara em um circo.
   Eu já tinha quase terminado de varrer quando Matt voltou. Ele se abaixou para me ajudar a recolher o gigantesco monte de lixo antes de passarmos uma boa hora arrumando caixas e arrastando-as de volta ao depósito.
   Com esse trabalho pronto, Matt me disse que eu podia ter uma ou duas horas de folga até a hora de me juntar à trupe para o jantar. Eu estava ansiosa para ter algum tempo para mim, assim corri de volta à tenda.
   Troquei de roupa, encontrei um lugar apenas ligeiramente desconfortável na cama e peguei meu diário. Enquanto mordiscava a caneta, eu refletia sobre as pessoas interessantes que havia conhecido ali. Estava claro que o pessoal do circo se considerava uma família. Várias vezes vi as pessoas oferecendo ajuda, mesmo que não fosse tarefa sua. Também escrevi um pouco sobre o tigre. O felino realmente chamou minha atenção. Talvez eu devesse trabalhar com animais e estudá-los na faculdade, pensei. Então me lembrei de minha extrema aversão a biologia e soube que eu nunca me daria bem naquela área.
   Estava quase na hora do jantar. O cheiro delicioso vindo do prédio maior fez minha boca se encher de água.
   Nada parecido com biscoitos vegans de Sarah, pensei. Na verdade, lembra a comida da minha vó. 
   Lá dentro, Matt arrumava as cadeiras em torno de oito mesas dobráveis compridas. Umas das mesas estava posta com comida italiana. O aspecto era fantástico. Ofereci ajuda, mas Matt me dispensou.
   - Você trabalhou duro hoje, Kelsey. Relaxe. Eu faço isso - disse ele.
   Cathleen acenou, me chamando.
   - Venha se sentar comigo. Só podemos começar a comer depois que o Sr. Maurizio fizer os anúncios da noite.
   E, no momento em que sentamos, o Sr. Maurizio entrou dramaticamente no recinto.
   - Favolosa performance, de todos vocês! E um trabalho eccellente de nossa mais nova vendedora, hein? Esta noite é uma celebração! Encham os pratos, mia famiglia! 
   Dei uma risadinha. Hum. Ele representa o papel o tempo todo, não só durante o espetáculo.
   Virei-me para Caithleen.
   - Acho que isso quer dizer que fizemos um bom trabalho, não é?
   - É, sim. Vamos comer! - respondeu ela.
   Entrei na fila com Caithleen, peguei meu prato de papel e o enchi com salada verde italiana, uma boa colherada de massa em formato de conchas recheadas com espinafre e queijo cobertas com molho de tomate, frango à parmegiana e, sem ter lugar suficiente no prato, enfiei um pão quente na boca, peguei uma garrafa de água e me sentei. Não pude deixar de notar grande cheesecake de chocolate para a sobremesa, mas não consegui nem terminar a comida que tinha no prato.
   Depois do jantar, fui até um canto mais silencioso do prédio e liguei para dar notícias a Sarah e Mike. Quando desliguei, aproximei-me de Matt, que guardava as sobras na geladeira.
   - Não vi seu pai no jantar. Ele não come?
   - Levei um prato para ele. Estava ocupado com o tigre.
   - Há quanto tempo seu pai trabalha com aquele tigre? - perguntei, curiosa. – Segundo a descrição do emprego, devo ajudá-lo com isso.
   Matt empurrou para o lado uma garrafa meio vazia de suco de laranja, enfiou uma caixa de comida para viagem ao lado dela e fechou a geladeira.
   - Há cinco anos, mais ou menos. O Sr. Maurizio comprou o tigre de outro circo, que o havia comprado de outro circo antes. Ninguém conhece a história completa dele. Papai diz que o tigre faz só os truques básicos e se recusa a aprender qualquer coisa nova, mas o lado bom é que ele nunca deu problema nenhum. É uma fera tranquila, quase dócil, tanto quantos os tigres podem ser.
   - Então, o que eu tenho que fazer? Vou mesmo dar comida a ele?
   - Não se preocupe. Não é assim tão difícil, desde que  você evite as presas - zombou Matt. - Estou brincando. Você só vai levar a comida do tigre de um prédio ao outro. Converse com meu pai amanhã. Ele dará todas as informações de que precisa.
   - Obrigada, Matt!
   Ainda restava uma hora de luz do dia lá fora, mas eu teria que levantar cedo outra vez. Depois de tomar um banho, escovar os dentes, vestir meu pijama de flanela quentinho e calçar os chinelos, corri para minha tenda e me aconcheguei sob a colcha da minha avó. Ler um capítulo do livro que eu trouxera me deixou sonolenta e logo mergulhei em um sono profundo.


Na manhã seguinte, após o café, corri até o canil e encontrei o pai de Matt brincando com os cães. Parecia uma versão adulta de Matt, com os mesmo cabelos e olhos castanhos. Ele se volto para mim quando me aproximei e disse:
   - Olá. Você é a Kelsey? Será minha assistente hoje.
   - Sim, senhor.
   Ele apertou minha mão com simpatia e sorriu.
   - Pode me chamar de Andrew ou Sr. Davis, se preferir algo mais formal. A primeira coisa que precisamos e fazer é levar estas criaturinhas cheias de energia para dar uma volta.
   - Parece bastante fácil.
   Ele riu
   - Veremos.
   O Sr. Davis me deu guias para prender nas coleiras de cinco cães. Os animais eram de uma interessante variedade de raças. Tinha um beagle, um mestiço de galgo, um buldogue, um dinamarquês e um poodlezinho preto. Eles saltitavam o tempo todo, enroscando as guias uns nos outros - e em mim. O Sr. Davis se abaixou para me ajudar e então partimos.
   O dia estava lindo. Os cães pareciam muito felizes, saltando de uma lado para outro e me puxando em todas as direções, exceto naquela que eu queria seguir.
   Enquanto eu desvencilhava um deles de uma árvore, indaguei ao Sr. Davis:
   - Posso fazer alguma perguntas sobre o seu tigre?
   - Claro.
   - Matt disse que vocês não sabem muito sobre a história dele. Como Justin veio parar no circo?
   O pai de Matt esfregou o queixo coberto pela barba espetada e disse:
   - O Sr. Maurizio comprou Justin de outro circo pequeno, querendo dar uma renovada no espetáculo. Pensou que, como eu trabalhava bem com outros tipos de animais, faria o mesmo com o tigre. Fomos muito ingênuos. Em geral é preciso muito treinamento para trabalhar com grandes felinos. O Sr. Maurizio insistiu que eu tentasse e, felizmente, nosso tigre é bastante tranquilo.
   - Que sorte, hein?
   - Muita sorte. Eu era extremamente despreparado para assumir um animal da aquele tamanho, por isso viajei com o outro circo por um tempo. O domador deles me ensinou a lidar com o tigre e eu aprendi a cuidar do animal. Acho que não teria sido capaz de lidar com qualquer outro dos felinos que eles estavam vendendo.
   - Imagino.
   - Até tentaram fazer com que eu  me interessasse por um dos tigres siberianos, mais agressivos, mas logo percebi que ele não era para nós. Então negociei o tigre branco. Seu temperamento era mais estável e ele demonstrava gostar de trabalhar comigo. Para ser sincero, nosso tigre parece entediado a maior parte do tempo.
   Ponderei essa informação enquanto percorríamos a trilha em silêncio. Desembaraçando os cães de outra árvore, perguntei:
   - Os tigres brancos vêm da Índia? Pensei que viessem da Sibéria.
   O Sr. Davis sorriu.
   - Muita gente acha que ele vêm da Rússia porque a pelagem branca se mistura com a neve, mas os tigres siberianos são maiores e alaranjados. O nosso é uma variedade branca do tigre-de-bengala.
   Ele me olhou, pensativo, por um momento e então perguntou:
   - Quer me ajudar com o tigre hoje? Não precisa ter medo. As jaulas têm trincos de segurança e eu a supervisionarei o tempo todo.
   Sorri, lembrando do doce aroma de jasmim no fim da apresentação do tigre. Um dos cães correu em volta das minhas pernas, me enroscando com a guia e quebrando o devaneio por um momento.
   - Gostaria muito. Obrigada! - agradeci.
   Depois de terminar a caminhada, pusemos os cães de volta ao canil  demos comida a eles.
   O Sr. Davis encheu o bebedouro dos cães com água de uma mangueira verde. Então olhou por sobre o ombro e disse:
   - Sabe, os tigres podem ser completamente extintos em 10 anos. A Índia já aprovou diversas leis proibindo que sejam mortos. Os caçadores e os aldeões são os principais envolvidos. Os tigres em geral evitam os homens, mas são responsáveis por muitas mortes na Índia todos os anos e as pessoas às  vezes querem fazer justiça com as próprias mãos.
   Nesse momento o Sr. Davis acenou para que eu seguisse. Demos a volta no prédio, chegando a um amplo galpão pintado de branco com remate azuis. Ele abriu as portas largas para que entrássemos.
   O sol forte invadia e aquecia o lugar, iluminando as partículas de poeira que subiam à medida que o Sr. Davis e eu passávamos. Fiquei surpresa com a quantidade de luz que havia na construção de dois andares, apesar de ali só haver duas janelas altas. Vigas grossas esguiam-se bem acima de nossas cabeças e cruzavam o teto em arco, e junto às paredes alinhavam-se baias vazias onde se viam fardos de feno empilhados até o teto. Eu o segui enquanto ele se aproximava do lindo vagão para animais que fizera parte da apresentação do dia anterior.
   - Kelsey, quero que conheça Justin. Venha aqui. Vou lhe mostrar uma coisa.
   Nós nos aproximamos da jaula. O tigre, que estivera cochilando ergueu a cabeça e me olhou, curioso, com seus brilhantes olhos castanhos avelãs.
   Aqueles olhos eram hipnóticos. Eles se fixaram em mim, quase como se o tigre estivesse examinado a minha alma.
   Uma onda de solidão tomou conta de mim, mas me esforcei para trancá-la novamente no cantinho onde guardo emoções desse tipo. Engoli em seco e desviei o olhar.
   O Sr. Davis puxou alavanca na lateral da jaula. Um painel desceu, deslizando e isolando o lado da jaula onde Justin estava. O Sr. Davis abriu a porta da jaula, encheu o recipiente de água do tigre, acrescentou cerca de um quarto de xícara de vitaminas e então fechou e trancou a porta. Em seguida, acionou novamente a alavanca para erguer o painel no interior da jaula outra vez.
   - Tenho um pouco de trabalho burocrático para fazer. Quero que você busque o café da manhã do tigre - instruiu o Sr. Davis - Volte ao edifício principal com este carrinho e procure uma geladeira grande atrás das caixas. Tire um pacote de carne e coloque-a no carrinho. Transfira outro pacote de carne do freezer para a geladeira, para descongelar. Quando voltar, ponha a de comida de Justin na jaula exatamente como fiz com as vitaminas. Mas não se esqueça de fechar o painel de segurança primeiro. Consegue fazer isso?
   Agarrei a alça do carrinho.
   - Sem problemas - falei por sobre o ombro enquanto saía.
   Encontrei a carne rapidamente e poucos minutos depois estava de volta.
   Espero que essa porta de segurança resita ou eu serei o café da manhã, pensei ao puxar a alavanca, servir a carne crua em uma tigela grande e deslizá-la com cuidado para dentro da jaula. Eu mantinha um olho cauteloso no tigre, mas ele simplesmente ficou ali parado me olhando.
   - Sr. Davis, esse tigre é macho ou fêmea?
   Ouviu-se um barulho na jaula, um ronco profundo vindo do peito do felino.
   Virei-me para olhar o tigre.
   - Por que você está rugindo para mim?
   O pai de Matt riu.
   - Ah, você o ofendeu. Ele é muito sensível, sabia? Respondendo à sua pergunta, ele é macho.



Mores, tudo bem com vocês? Então o capítulo vai ser grande por isso vou separar em parte amanha vou escrever a segunda parte. Como falei sem computador durante a semana, eu ia aproveitar esse feriado mas não deu tempo, então não tenho nada a dizer a vocês, espero que tenha gostado da primeira parte.
Beijos :*

Um comentário:

  1. Continua q eu adorei
    Coitado, ofendeu o tigre Justin rsrs.
    Duda, pergunta: Vc se inspirou em um livro chamado "Maldição do tigre"? Eu não li não, so queria saber rsrs
    Bjos

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